Este curso tem como objetivo apresentar e discutir algumas obras fotográficas feitas na América Latina entre a década de 1970 e os dias atuais. Nesse período, além dos Colóquios latino-americanos de fotografia, ocorreram também alguns eventos centrais da história política da região, como as ditaduras e redemocratizacões no Chile, Uruguai e Argentina, a tomada de poder pelos sandinistas na Nicarágua e os conflitos armados em Guatemala, Colômbia, El Salvador e Peru. Além disso, nas décadas de 80 e 90, a fotografia entrou com muita força no campo da arte contemporânea, tornando-se uma técnica relevante em museus, galerias e instituições artísticas. Estas transformações aproximaram o ofício dos fotógrafos ao dos artistas, dando a eles novas possibilidades de criação e experimentação estética.
As aulas que compõem este curso buscam compor um leque de abordagens temáticas e estéticas comuns na fotografia contemporânea latino-americana. Desta maneira, no primeiro encontro são apresentados fotógrafos que estabelecem aproximações com as culturas locais e tradicionais numa linguagem documental. A segunda aula trata justamente da entrada da fotografia no campo da arte contemporânea e as relações que estabelece com outras técnicas e vertentes da arte. Nos encontros consecutivos, são apresentadas algumas discussões que atravessam a fotografia contemporânea: as ideias de território e identidade, em muitos casos a partir de uma influência da arte conceitual; os debates sobre o lugar do corpo enquanto campo de disputa e resistência, motivados pelas lutas e teorias sobre raça e gênero; a construção de memórias pessoais e coletivas através da fotografia e da escrita e as possibilidades expressivas destas duas linguagens. Para finalizar o curso, a última aula aponta para uma crítica à própria imagem e levanta certos questionamentos sobre o papel histórico exercido pela fotografia ao longo da história. A partir destas seis aulas, pretende-se que os estudantes sejam capazes de compreender algumas das vertentes artísticas que compõem o cenário contemporâneo da fotografia latino-americana e possam desenvolver suas próprias leituras críticas e sensíveis entorno à imagem.
1ª aula: Fotografia documental e a defesa das culturas locais – Graciela Iturbide; Tiago Santana.
Diante de uma urbanização acelerada nos anos 70 e 80 que provocou grandes êxodos rurais e uma alta concentração populacional nas grandes cidades, somado ao processo de globalização que se seguiria nas décadas seguintes, gerou-se um desejo entre certos fotógrafos de registrar e valorizar as manifestações culturais locais e tradicionais que poderiam ser enfraquecidas pelo projeto de modernização dos países ou dizimados pelos conflitos armados. Neste mesmo contexto, uma série de discussões entorno à América Latina vão ser fomentadas em outros campos do conhecimento, influenciando diretamente nas arteas. Isso motivou vários fotógrafos a se refletirem sobre as manifestações próprias dasdiversas região que compõem a América Latina. Esse tipo de abordagem fotográfica se faz presente em diferentes países. No México, por exemplo, Mariana Yampolsky e Graciela Iturbide fotografaram diversos povoados tradicionais, registrando o modo de vida de seus habitantes e a paisagem que os rodea. Destaca-se principalmente a série feita por Iturbide sobre a zona de Juchitán, na qual a fotógrafa estabelece um olhar particular para as mulheres dali. Além do México, o norte e nordeste brasileiro viram surgir, principalmente a partir do final dos anos 80, ensaios fotográficos que tiravam partido das manifestações culturais, da força religiosa e da beleza das paisagens que compõem esta região. Pode-se pensar neste contexto nas obrasde Elza Lima,Luiz Braga e Tiago Santana.
2ª aula: Performance e arte conceitual: a fotografia na arte contemporânea – Fernell Franco; Elías Adasme.
Foi com a produção da arte conceitual e com a realização de performances que diversos artistas começaram a se utilizar da fotografia para registrar suas obras, as quais muitas vezes dependiam da ação para ocorrerem. Em outros casos, a fotografia passou a integrar os trabalhos de certos artistas, já que a arte passava por um período de ruptura com as linguagens e técnicas tradicionais. Isso pode ser percebido, por exemplo, nas produções de artistas brasileiros, como Hélio Oiticica e Antônio Manuel. Somado a isso, as reverberações da pop art na América Latina também permitiram que a fotografia se aproximasse de outras artes gráficas. Foi neste contexto de transformações do campo da arte e de perda de prestígio do fotojornalismo — causado entre outros fatores pela popularização dos aparelhos televisivos e, portanto, do telejornalismo — que a fotografia passa a ocupar um lugar central nas instituições de arte, como museus e galerias. Diante disso, nesta aula é discutida justamente a entrada da fotografia no campo da arte contemporânea e as possibilidades estéticas que surgiram a partir disso. Na trajetória do colombiano Camilo Lleras, por exemplo, a fotografia deixou de ser somente registro das suas performances, mas foi um instrumento de diálogo direto com sua atuação na arte viva. Por outro lado, o trabalho de seu conterrâneo, Fernell Franco, parte da própria fotografia, mas carregando no cerne os preceitos da arte conceitual e da criação cinematográfica. Nesse momento da arte, abre-se um imenso leque expressivo para a criação dos fotógrafos-artistas.
3ª aula: Território como identidade na América Latina – Carlos Perna; Luz María Bedoya.
Com o protagonismo recebido pela fotografia no campo da arte contemporânea, a imagem ganhou novas possibilidades expressivas, aproximando-se inclusive de outras linguagens artísticas. É assim, portanto, que fotógrafos-artistas apropriaram-se de estratégias próprias da arte conceitual para construir seus trabalhos. Num período em que as imagens circulam com grande velocidade e o deslocamento entre países parece cada vez mais simples e veloz, diversos artistas discutem a relação da imagem com o território, seja ele urbano, rural ou até mesmo desértico. O território pode ser percebido, portanto, por sua qualidade física e concreta através da imagem, mas também abstrato pela definição de suas fronteiras. Nconcreto em franca globalização, no qual o particular e o local parece perder força para o universal, realizar obras sobre o território parece ser uma forma de resistência às tendências que ganharam ainda mais força a partir dos anos 90. Assim, para refletir sobre estas questões e sobre como é possível abordar vastos territórios através da imagem, certos artistas aproximaram a fotografia da escrita ou de outras produções gráficas, como mapas ou desenhos. Esta estratégia está presente, por exemplo, nas obras de Carlos Perna, Luz María Bedoya e Carlos Ginzburg. Nelas se destaca uma aproximação com a arte conceitual e o território é tratado a partirdas suasqualidades mais sensíveisdo que objetivas.
4ª aula: Corpo, ancestralidade e resistência política – Ana Mendieta; Mario Cravo Neto.
O fortalecimento das lutas sociais entorno das pautas de gênero, raça e sexualidade influenciou diretamente a produção fotográfica latino-americana, no que diz respeito à temática e à abordagem estética das obras. Com a fotografia tendo encontrado seu espaço no campo da arte contemporânea, foi possível que artistas buscassem novas maneiras de lidar com a imagem. Além disso, as discussões sobre a pós-colonialidade e decolonialidade que se destacavam no campo da sociologia e das ciências políticas nas décadas de 80 e 90 ingressaram na arte, de modo a gerar reflexões mais complexas e profundas sobre os papeis de gênero e raça exercidos historicamente e o lugarda fotografia no fortalecimento dos estereótipos. É muito comum que certos artistas interessados neste tipo de expressividade artísticas se apropriem de símbolos próprios às culturas africana e originárias da América Latina. Desta maneira, buscam fortalecer relações com antepassados e saberes distintos aos provindos da Europa e EstadosUnidos. Há, neste sentido, uma busca por uma reconstrução da história que se contraponha a narrativa predominante e hegemônica. Estas características podem ser percebidas, por exemplo, nas obras de Mário Cravo Neto e Eustáquio Neves. Já no caso da produção de Ana Mendieta, sua expressividade é construída entorno à questão do feminino e das injustiças de gênero. Para isso, a artista trabalha com múltiplas técnicas,dada a importante trajetória como escultora.
5ª aula: A fotografia e a escrita: memória pessoal e coletiva – Rosangela Rennó; Claudia Hans.
Com os desaparecimentos e assassinatos causados pelas ditaduras, guerras civis e pelas violências de Estado praticados sobretudo entre os anos 70 e 90, fotógrafos-artistas debruçaram-se sobre a temática da memória como maneira de lidar com os consequentes traumas e ausências ocasionados. A fotografia, por sua capacidade de referenciar-se ao passado e evidenciar presenças e eventos de outros tempos, foi uma expressão recorrente neste tipo de abordagem artística. Contudo, como prática frequente da arte contemporânea, é comum que os artistas interseccionem o uso da fotografia com outras linguagens expressivas. No caso desta aula, são apresentados ensaios visuais que trabalham em diálogo direto com a escrita, além de discutir algumas das possibilidades artísticas entorno às estas duas técnicas. No foto-livro “Silent Song”, de Claudia Hans, por exemplo, a imagem estabelece uma relação horizontal com o texto, o qual foi apropriado de um livro de uma outra autora. Ou seja, a associação texto-fotografia é o que cria a narrativa da obra. Já no caso da série “Cicatrizes”, de Rosangela Rennó, e de certas fotografias de “Mujeres Presas”, de Adriana Lestido,a escritaestá inseridana imagem e compõe sua qualidade expressiva.
6ª aula: A crítica à imagem – Alfredo Jaar; Johanna Calle.
Diante da aproximação da fotografia a outros campos do conhecimento, como a sociologia, a ciência política e a filosofia, e, em particular, à crítica decolonial dos conceitos de história e de modernização, uma série de artistas centram seu trabalho no questionamento do papel exercido pela própria fotografia ao longo da história. Parte desse debate analisa os primórdios da fotografia, ainda no século XIX e início do século XX, quando sua invenção se deu num momento de pujança da modernização das cidades e do racismo científico. No entanto, há também uma série de artistas contemporâneos que debatem o uso da fotografia de imprensa, a qual pretendia ser um instrumento de conscientização política e social das populações em diferentes países da América Latina. Contudo, diante da perda de destaque do fotojornalismo e do insucesso no sentido de politizar as pessoas a ponto de causar a uma transformação social profunda, uma série de problematizações ao fotojornalismo passaram a surgir: qual o limite ético do trabalho dos fotógrafos para fazer uma imagem? Qual é a verdadeira possibilidade de uma fotografia de sensibilizar e mobilizar a outras pessoas? Não estaria a fotografia fazendo parte de uma espetacularização da dor e da guerra?
São reflexões como essas que os artistas desta última aula estão debatendo, de modo a nos ajudar a pensar quais são as possibilidade estéticas e conceituais para a fotografia contemporânea e entender seus limitesde atuação.
Interesse por fotografia ou história da arte latino-americana. Sem necessidade de conhecimentos prévios.
Graduado em arquitetura e urbanismo pela Escola da Cidade, Alexandre Kok estuda fotografia há mais de oito anos. Após haver ministrado cursos sobre a história da fotografia brasileira, decidiu dedicar-se a produção na América Latina. Para isso, realiza uma viagem há mais de meio ano, com o objetivo de conhecer melhor as culturas locais e a produção fotográfica de cada país. Como professor, ministrou a aula aberta “A História da fotografia latino-americana” na escola Câmera Viajante e o curso livre “Diálogos entre a arquitetura e a fotografia” na Escola da Cidade.
Enquanto fotógrafo, trabalhou no estúdio de fotografia de Bob Wolfenson e desenvolve trabalhos fotográficos pessoais que têm como tema cidade e território. Participou da exposição coletiva “Contretemps” na Fouart Gallery, de Paris, e teve seu trabalho selecionado para ser publicado na 10ª edição da revista Tangerine.
R$ 250,00, sendo pagamento antecipado para garantir sua vaga. O mesmo pode ser via contato direto com a escola no whatsApp (48) 99678 2525 ou pelo aqui pelo site.
Turma noturna – online ao vivo via meets
Dias: 17/08, 24/08, 31/08, 14/09, 21/09 e 28/09/2023 (aula 1x por semana às quintas-feiras)
Horário: das 19h30 às 21h00
R$250,00
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